HISTÓRICO DA REDE PUXIRÃO

A emergência de identidades coletivas no Brasil nas últimas décadas tem revelado a existência de diversos grupos étnicos, organizados em movimentos sociais, que buscam garantir e reivindicar direitos, que sempre lhes foram negados pelo Estado. Desta forma, compreendem-se sem exaustão os motivos para o qual um país tão diverso em sua composição étnica, racial e cultural, a persistência de conflitos oriundos de distintas visões de mundo e modos de vida, que desencadeiam desde o período colonial, lutas pela afirmação das identidades coletivas, territorialidades especificas e reconhecimento dos direitos étnicos.



Na região Sul, especialmente no Paraná e Santa Catarina, a invisibilidade social é uma das principais características dos povos e comunidades tradicionais. Até pouco tempo atrás, a inexistência de estatísticas e censos oficiais fez com que estes grupos elaborassem seus levantamentos preliminares numa tentativa de afirmarem sua existência coletiva em meio a tensões, disputas e pressões que ameaçam seus diretos étnicos e coletivos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e, diversos outros dispositivos jurídicos infraconstitucionais[1].



Destas demandas surge, na região Sul, a Rede Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais, fruto do 1º Encontro Regional dos Povos e Comunidades Tradicionais, ocorrido no final do mês de Maio de 2008, em Guarapuava, interior do Paraná. Neste espaço de articulação, distintos grupos étnicos, a saber: xetá, guaranis, kaingangs, faxinalenses, quilombolas,benzedores e benzedeiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz africana e ilhéus; tais segmentos se articulam na esfera regional fornecendo condições políticas capazes de mudar as posições socialmente construídas neste campo de poder. Ademais, a conjuntura política nacional corrobora com essas mobilizações étnicas, abrindo possibilidades de vazão para as lutas sociais contingenciadas há pelo menos 3 séculos, somente no Sul do País.



quarta-feira, 14 de novembro de 2012



CARTA DAS BENZEDEIRAS

Nós, benzedeiras, benzedores, curandeiras, curadores, costureiras e costureiros de rendidura e/ou machucadura, rezadeiras e rezadores, remedieiras e remedieiros, massagistas tradicionais, parteiras e aprendizes de benzedura da região, representados neste Encontro por detentores de ofícios tradicionais de cura dos municípios de Fernandes Pinheiro, Inácio Martins, Irati, Rebouças, Turvo, São João do Triunfo e São Mateus do Sul, reafirmamos nossas práticas e conhecimentos tradicionais na participação do 2º. Encontro das Benzedeiras do Centro Sul do Paraná, nos dias 09 e 10 de novembro de 2012, realizado na Sede da Terceira Idade, no município de Rebouças, região centro sul do Estado do Paraná, com 80 participantes e também 20 convidados entre autoridades, pesquisadores e apoiadores.
Esse encontro é parte de nosso processo organizativo como detentores de ofícios tradicionais de cura organizados no Movimento das Aprendizes da Sabedoria (MASA), desde os anos de 2007, tendo como principal desafio o reconhecimento público e valorização das práticas tradicionais desenvolvidas por nós nesta região.
Fortalecemos neste Encontro nossas práticas e conhecimentos tradicionais e nossa existência coletiva, ressaltando-o como fruto de nossas práticas tradicionais de cura “benzimentos, curas, rezas, simpatias, orações, esfregações, puxados, banhos, costuras de rendidura, massagens” e nossas manifestações culturais que unem fé,  tradição e devoção “novenas, mesadas de anjo, danças de São Gonçalo, procissões, recomendas” que são realizadas por nós nas diversas localidades dos municípios da região centro sul do Paraná, em que  se destacam os detentores de ofícios tradicionais como sujeitos deste processo organizativo.
Em nossa caminhada temos identificado diversos conflitos e situações que nos conduziram para uma aproximação de nossas realidades, tendo realizado nos anos de 2008 à 2011 o Mapeamento Social dos Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura nos municípios de Rebouças e São João do Triunfo, resultando na identificação de 294 detentores de ofícios tradicionais nestes municípios. Informações que no encontro compartilhamos no lançamento do Boletim Informativo do Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil “Conhecimentos Tradicionais e Mobilizações Políticas: o direito de afirmação da Identidade de Benzedeiras, municípios de Rebouças e São João do Triunfo, Paraná”.
Como resultado de nossas trocas e discussões, na defesa nossa existência coletiva, encaminhamos em nosso Encontro, os seguintes pontos:

Compromissos
Ampliar o processo de mobilização, valorização e reconhecimento dos detentores de ofícios tradicionais de cura nos municípios já organizados e também em outras regiões do estado e do Brasil.
Fortalecer nosso movimento com o desafio de motivar nossas comunidades por intermédios de encontros de troca de experiências, para que nossos conhecimentos sejam de uso das comunidades; resgatar as práticas tradicionais que manifestam nossa cultura (Romaria de São Gonçalo, Mesada de Anjo, Olhos d´Água do Monge João Maria, Festas de Santo, Novenas, Procissões); envolver as gerações mais jovens nos espaços que nos organizamos, a fim de que estes, respeitem nosso modo de vida tradicional e acolham tais conhecimentos tradicionais, assegurando o repasse da tradição.
Intensificar a luta por políticas públicas de reconhecimento das identidades coletivas das benzedeiras e de seus serviços de saúde prestados de forma gratuita e solidária à comunidade em geral.
Lutar contra todas as formas de repressão e marginalização dos conhecimentos e saberes tradicionais de cura associados ao uso sustentável da biodiversidade como estratégia de manutenção e repasse de tais conhecimentos.

Reivindicações
Realização de encontros, seminários e reuniões com médicos e funcionários do sistema público de saúde a fim de amenizar os conflitos existentes entre as práticas e conhecimentos tradicionais e o sistema formal de saúde, sendo estes espaços articulados pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná.
Diálogo com a Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná a fim de regulamentar o livre acesso das benzedeiras aos postos e hospitais de saúde a fim de realizar benzimentos e costuras de rendidura aos pacientes internados que solicitarem a realização das práticas tradicionais de cura de forma complementar aos seus tratamentos convencionais de saúde.
Diálogo com o poder público a fim de fortalecer o reconhecimento e a valorização de políticas públicas voltadas às demandas dos povos auto–definidos como detentores de ofícios tradicionais de cura, fortalecendo localmente e regionalmente a efetivação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, instituída pelo Decreto Federal nº 6.040/2007, em consonância com a Constituição Federal em seus artigos 215 e 216, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também nos artigos 190 e 191 da Constituição do Estado do Paraná, somando-se a isso as Leis Municipais de Reconhecimento dos Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura dos municípios de Rebouças/PR, inscrita sob o número 1.401/2010 regulamentada pela Decreto nº 027/2010 e São João do Triunfo/PR, 1.370/2011.
Instituição do Conselho Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais do Paraná, a fim de que seja um espaço institucional de articulação e implementação de políticas públicas voltadas aos povos e comunidades tradicionais do Paraná, entre estes, os detentores de ofícios tradicionais de cura.
Efetivação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde no Sistema Público de Saúde, possibilitando a participação efetiva dos Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura.
Fomento para a criação do Ponto de Cultura das Benzedeiras a nível regional a fim de valorizar e reconhecer as benzedeiras como agentes de promoção cultural, bem como, proporcionar estratégias para o processo organizativo mobilizado pelo Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA).
Realização do Encontro Nacional das Benzedeiras, possibilitando visibilidade social e a articulação entre os vários detentores de ofícios tradicionais de cura no Brasil e suas experiências organizativas e de práticas tradicionais de cura, por meio da Secretária da Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura.
Elaboração de estratégias junto aos órgãos de fiscalização e gestão ambiental para a regulamentação do livre acesso as plantas e ervas medicinais e Olhos d´Água do Monge João Maria em áreas de unidades de conservação; implementação de viveiros de ervas e plantas medicinais nas comunidades e município a fim de preservar e resgatar a biodiversidade de plantas medicinais de uso das benzedeiras; fiscalização do desmatamento desenfreado que ocasiona a extinção das plantas e ervas medicinais das matas nativas; proibição do uso de agrotóxico em áreas de plantas medicinais nativas e Olhos d´Água do Monge João Maria, locais sagrados de uso da coletividade dos detentores de ofícios tradicionais de cura.  
Desta maneira, confirmamos com nosso Encontro a força que vem das comunidades e se reforça no Movimento Aprendizes da Sabedoria, para sermos reconhecidos e alcançarmos nosso lugar de direito em todas as regiões em que estamos presentes. Sendo assim, nosso Encontro cumpriu com o objetivo de estimular nosso ânimo de continuar cuidando da vida, nossa missão Sagrada, dada por Deus e assumida por nós.


Rebouças - Paraná, 10 de novembro de 2012.


MOVIMENTO APRENDIZES DA SABEDORIA - MASA

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